ABUNDA
A alcova estava arrumada para a noite que o aguardava.
Em volta, em prateleiras e sobre móveis, muitos santos, inclusive uma imagem de São Longuinho de Pau Grande, padroeiro de uma província
A tempestade caía lá fora, parecia anunciar o próximo dilúvio. Algumas panelas no chão aparavam as gotas que insistiam em ejacular de uns buracos nas telhas. Malditos orifícios que ejaculavam jatos múltiplos. Por mais que tentasse aparar não conseguia, algumas gotas respingavam o rosto de santa Rita de Cássia. A essa altura, a santa encontrava-se toda molhadinha, era uma imagem pequena.
Eram tantas goteiras, e uma delas que ficava bem em cima da cabeça de São Benedito encharcava-o por completo, toda vez que chovia aquela goteira estava ali, acho que era por isso que o santo que deveria ser negro, naquela imagem, era quase um mulato.
A casa paroquial ficava a menos de quinhentos metros da barragem, no antigo caminho das índias, o exato lugar onde a freira, Darci do Bonrêgo,irmã Dadá como era conhecida, fora estuprada pelos irmãos Pinto, que a população revoltada matou. O povoado nunca esqueceu esse acontecido, era um domingo, irmã Dadá acabara de dar a comunhão ao velho Fungêncio que estava a beira da morte, é bem verdade que estava a beira da morte já devia ter uns sete anos. Dizem que não morria por causa de um feitiço que a mulher dele, botou antes de morrer. O velho sempre teve fama de garanhão, quando jovem, todos sabem que vivia comendo as vacas do coronel João Ferreira que ajudou a matar Lampião e sofria de um caso agudo de hemorróida. Uma carne esponjosa enorme brotava-lhe do cu, daí os mais corajosos depois de tomarem umas e outras na penumbra do bar Cospe Grosso sem que ele ouvisse, chamavam-no de cu de repolho. Irmã Dadá, diziam a más línguas, tinha o habito de não usar calcinha, o que com certeza deve ter aguçado o interesse de seus algozes, nunca chegamos a ter certeza disso, mas também nunca achamos nenhuma calcinha no local do crime. Dizem que ela gritava horrores, já outros, dizem que ela soltava gemidos lânguidos. O fato é que na manhã do dia seguinte, estavam lá, os dois Pintos pendurados para que todos pudessem ver.
Quando chegou ao povoado vindo da capital, ficou estarrecido com o caso da galinha da Matilde. Matilde era a dona do bordel da cidade, onde tempos depois iria quase todas as noites tomar vinho e buscar a “conversão” das “meninas”. A galinha da Matilde foi um caso que o intrigou durante muito tempo, toda a cidade comentava e foi conferir. Ouvira dizer que a galinha mijava. Aquilo era quase um milagre, ficou dois dias a vigiar o galinheiro até que numa noite de lua cheia, percebeu quando a penosa da Matilde deu uma ligeira abaixada no sobre cu e abriu um pouco mais que o normal as pernas, firmou bem a vista, e viu a desgraçada dar uma mijada de quase dois minutos, ficou boquiaberto, invocou nosso senhor e seguiu para casa convencido de haver ali um milagre. Levou o caso a Arquidiocese, tentou convencer o Bispo do milagre da galinha que mijava, nunca soube que galinha mijava. Mas a galinha da Matilde era especial, diferente. Quase foi transferido para Santa Maria Madalena, que fica na divisa de Fim do Mundo com o Inferno, só porque queria levar o caso até a imprensa.
Sua Santidade por ocasião do ocorrido mandou-lhe o seguinte recado;
“ Se enredas a santa igreja em tamanho absurdo, eu mesmo irei em pessoa, até a paróquia em que serves, e enfiarei esta galinha est teu cum.”
Como era bem mandado, e tinha amor ao seu cum, achou melhor esquecer o caso da galinha, que até o dia que morreu, estuprada por Pedro Perna de Três, mijava.
Sabia dos muitos casos estranhos que aconteciam naquele lugar, como o caso da filha de Olegário Passo Raso, como era conhecido, e dona Carmelita. Uma jovem de dezessete anos, famosa por suas crises demoníacas. Naquele tempo uma das jovens mais desejadas da redondeza, dona de seios fartos e duros, cintura fina e coxas roliças, os rapazes endoideciam quando ela passava. Certa madrugada foi acordado por Olegário pedindo que fosse até sua casa pois sua filha estava possuída novamente pelo demônio. Foi até a casa da jovem munido com os apetrechos apropriados para a expulsão de demônios. Encontrou dona Carmelita aos prantos, ao vê-lo tomou a benção e agradeceu por ter ido. Perguntou pela jovem. Disseram estar no quarto. Avisou aos pais que iria entrar e que ninguém entrasse, pois uma grande batalha iria ser travada. Abriu a maleta, apanhou o pequeno frasco com água benta, o terço e o crucifixo. Penetrou bem lentamente, o crucifixo a frente, na iluminação precária conseguiu enxergar a jovem estática sobre a cama, apenas de calcinha. Se assustou, mas mateve-se firme, foi aproximando-se bem devagar, a jovem parecia morta. Com o crucifixo a frente chegou bem perto do peito para sentir-lhe o coração, quando estava quase encostando, de sobressalto a jovem enfiou a língua em seu ouvido. Deu um pulo rogando aos céus.
“valha-me nossoa senhora”. A menina sentou na cama e começou a botar a lingua para fora e balançar, seguido de um olhar erótico e dizer, “vou te comer gostoso’ e repetia, “vem fuder, tira essa saia e vem fuder vem” e bolinava os bonitos seios. Empurrou-a na cama enquanto tentava encostar o crucifixo na testa, derramou a água benta enquanto ela falava “vamos brindar com essa porra”. A luta seguia sendo travada sobre o colchão até que sentiu algo passar-lhe por baixo da batina e segurar-lhe o instrumento, olhou nos olhos do demônio que lhe deu um sorriso de canto de boca bem safado. Olegário e dona Carmelita do lado de fora do quarto com os ouvidos colados à porta, ouviam as respirações ofegantes e comentavam, “ parece que o vigário esta dando uma boa exorcizada no demônio”.
Ao chegar em casa, acendeu a vela, despiu a batina, procurou com dificuldade enxergar o instrumento que em outros tempos se apresentava com muito mais visibilidade. Nu diante do espelho admitiu, era feio. Constatou, não tinha bunda.
Um calor tomou-lhe o corpo. A dias queria come-la. Deixou-a nua, sem pena. Acariciou-lhe as costas. Virou-a de frente. Abriu-lhe as pernas num furor animal, meteu-lhe o dedo enorme e grosso, rasgando-a ao meio.O sobrecu, ah o sobrecu, era o que mais gostava, lambia e depois chupava até os ossinhos. Desde novinho sempre fora assim, preferia as partes macias, sempre preferiu maminha à coxa, mas nada era melhor que uma boa língua. Num frenesi absurdo de bom cozinheiro que era, botou o pepino e os ovos, agarrou-lhe em cada uma das pernas e a pôs na panela.
Padre Euzébio sempre repetia que aquele era um lugar santo. Apesar de estar no meio do sertão, tudo ali havia em abundância, desde água a calangos.
Abunda terras.
Abunda água.
Abunda sol.
Abunda cactos e fé, dizia ele.
Vestiu-se e seguiu para a novena mais santo do que nunca.
Drama Moderno
Pai, mãe discutem um problema familiar.
Na sala a filha estuda quando eles entram discutindo.
Mãe_ (Aos berros) Eu quero me divorciar.
Pai _ (Aos berros) Deixa de ser idiota, que divórcio?! Que divórcio?! Ahhh! Janete me poupe, você ta de sacanagem.
Mãe_ pode fazer suas malas, pega seus panos de bunda e mete o pé daqui. Não quero saber mais de você.
Pai_ Deixa de drama. Você ta vendo muita novela hein!
Paty_ O que houve gente?
Mãe_ Cala a boca Paty...
Pai_ Cala a boca Patrícia...
Mãe_ Você acha que eu tenho que aceitar isso.
Pai_ Isso o que?
Mãe_ Ser corna Oswaldo, ser corna.
Pai_ Aaaaaaahhh!!! Não gostou não querida, até que você fica bem com um adorno na testa. Quer dizer que você não pode ser boi, eu posso?!
Mãe_ Do que você esta falando?
Pai_ Ah. esqueceu? E aquele sujeito com quem você me traiu no baile das bruxas quando éramos noivos?! Eu fico bem de boi, você não?
Mãe_ Isso já foi a tanto tempo Oswaldo, deixa de ser ridículo.
Paty_ O que houve gente?
Juntos_ Cala a boca Paty.
Pai_ Chifre é algo que nem operação tira Janete, agente extrai até amígdala, mas chifre não.
Mãe_ não tenta mudar o foco da conversa Oswaldo.
Paty_ ( Gritando ) Da para vocês me darem atenção? O que é que tá acontecendo?
Juntos_ Seu pai ( sua mãe )
Mãe_ (Chorosa) Seu pai tem outra pessoa.
Paty_ ( com espanto)Como assim...?
Mâe_ Seu pai esta tendo um caso.
Paty_ Quem é?
Pai_ Gente isso não pode ser tratado desta forma...
Mãe_ Não tem o casal do 324...
Paty_ (espantadíssima) Ah! Não acredito pai, você ta pegando aquela mulher horrorosa, até bigode ela tem. Não tem bunda e tem celulite. Que é isso...
Mãe_ Paty...
Paty_ Você ta a perigo pai? A mulher fala “pobrema”. Põ mãe se você perder pra ela você não ganha de mais ninguém, fala sério...
Pai_ Paty...
Paty_ O marido dela é lindíssimo,que homem é aquele, todas as mulheres do prédio suspiram quando aquele deus de ébano passa. Outro dia ele estava na piscina de sunga, loucura gente. não sei o que aquele homem viu naquela mulher. Que pernas são aquelas. Maravilhoso.
Mãe_ ( Chorando ) Olha o que você me faz passar Oswaldo.
Pai_ Pô, vocês sempre disseram que eram mulheres modernas, que tinham uma mente aberta, e não sei o que..
Paty_ Putz pai! É preciso muito mais do que uma mente aberta para entender um gosto desse. Quando a galera do prédio souber disso, vão me zoar direto. No mínimo vão me chamar de Cinderela... por causa da madrasta bruxa.(pensativa) Tudo bem que eles não sabem que a minha mãe freqüentava o baile das bruxas quando era nova.
Mãe_ Sem graça!
Paty_ Pô pai, logo a bruxa do 324?...
Mãe_ Ana Patricia seu pai esta tendo um caso com o marido dela..
Se virando boquiaberta para o pai.
Paty_ Como assim...?
Pai_ Janete não é assim...
Mãe_ E como é que é então?
Paty_ Peraí! O meu pai esta tendo um caso com o bonitão do 324? O gostosão das coxas maravilhosas? O deus de ébano?
Mãe_ É isso mesmo.
Paty_ Não é com a bruxa?
Mãe_ não.
Paty_ Aaaaaaaahhh tá! Menos mal.
O QUARTO DE JOANA
Na casa dos Santos, todos tinham profunda paixão por Joana, principalmente as “crianças”.
Beth já estava com dezenove anos, os cabelos negros enormes enchiam de orgulho a velha ama que a viu nascer.
Bebeto era o seu xodó, arteiro desde pequeno, o tempo todo correndo, deixava Joana com as pernas inchadas.
Fora trabalhar com o senhor Norberto Santos e a Senhora Jacinta quando eles começavam com a pequena empresa de acessoria financeira, e acabou transformando-se em um dos maiores bancos privados do país.
Nunca se descuidaram da educação das crianças e tiveram em Joana uma grande ajudadora nessa tarefa.
Trinta e dois anos se passaram desde aqueles tempos difíceis.
Joana sempre fora muito mística, iniciou ainda cedo na umbanda, agora é uma mãe de santo respeitada na cidade onde mora.
O senhor e a senhora santos desde jovem são adeptos do budismo, enquanto Bebeto por influência de amigos se envolvera com o movimento de renovação carismática e era católico a alguns anos. Beth a pouco mais de três meses convertera-se ao protestantismo na Igreja Congregacional da Purificação Santa do Sétimo Dia.
Com certeza aquela era uma família que acreditava num outro plano, em muitos cantos haviam imagens ou referências religiosas.
A mansão dos Santos ficava num condomínio de uma área nobre da cidade, relíquias ornamentavam a casa, tapetes persas, quadro de pintores famosos, mármores importados, cristais suíços e convidados importantes compunham aquele lar nababesco.
Todos os outros empregados eram administrados por Joana, que apesar de pouca instrução tinha muito talento para a função, alem da confiança de muitos anos dos patrões.
Joana a aproximadamente cinco anos perdera o único filho assassinado pela policia numa investida contra o tráfico numa favela. Por mais que tivesse tentado afastar o filho das drogas não conseguiu, o pai, de quem ela havia se separado com brigas horríveis a mais de dez anos nunca se empenhou em ajudar.Agora, toda a dor rasgava-lhe o peito pela perda do único parente e companheiro, restavam-lhe apenas os santos. Dera ao menino uma educação privilegiada, acima dos padrões de um filho de empregada. Boas escolas, bons cursos, falava línguas, mas mesmo com todo o seu poder de adivinhação, com toda sua intimidade com os orixás, não conseguiu impedir o destino do filho tão amado. Previu a queda de um avião,salvou um empresário amigo do patrão que não embaracou naquele vôo, no acidente morreram outros cento e noventa e sete passageiros. Foi ovacionada na família, participou até de um programa de televisão porque evitou a morte de um dos cento e noventa e sete passageiros. Trouxe de volta namoradas e maridos. Pediu a reconstrução de lares desfeitos. A volta de amores que se foram. Só não conseguiu reconstruir o seu, e nem trouxe de volta o seu amor.
O senhor Norberto era um empresário bem sucedido, tudo em que botava a mão transformava em dinheiro, tinha o dom do toque de midas, com excessão do casamento que mantinha as muitos anos. Tinha um outro relacionamento a muitos anos.
Era odiado pela mulher, dormiam em quartos separados. Sofria a algum tempo de uma síndrome rara que causava surtos de perda temporária de memória, ele esquecia de alguns acontecimentos recentes. O mundo dos negócios o reverenciava, transitava entre os poderes do país com bastante desenvoltura, era recebido até pelo presidente.
A senhora Jacinta a muito tempo já havia desistido do casamento, teve alguns casos clandestino, mas nenhum deles mexeu com seu coração, achava mesmo que a desilusão corroera-lhe o peito, e deixara um buraco que a impossibilitava de amar outro homem, em muitas noites, chorava no travesseiro sozinha
Beto, embora nunca tenha se pronunciado, odiava a relação dos pais, usa drogas desde os dezessete anos, começou com um baseado com amigos, depois experimentou coisas mais pesadas. LSD e cocaína. Participava do grupo de renovação carismática, distribuía sopa para os pobres em algumas madrugadas, em outras, participava de pegas e importunava os mendigos que dormiam
Beth sofria com uma depressão que a atormentava a alguns anos. Adora ir a shoppings comprar roupas, viagens ao exterior, Paris em especial e a Suíça, que diz ser a cidade onde residem seres humanos. Nunca foi simpática aos negros, costuma dizer que, “ eles emporcalharam a historia do nosso país e agora favelizam nossas cidades. Pobres coitados!”.
A mans ão dos Santos era alvo naqueles dias de uma situação intrigante. Joana havia sumido a quase trinta dias, não a encontraram em lugar nenhum. Nem a policia a encontrara.
A menina Beth disse ter visto o espírito de Joana por duas vezes nas ultimas noites. A principio houve uma apreensão por parte dos pais e irmão, aos poucos, todos desesperançaram-se e começaram a acreditar na morte de Joana.
Talvez tenha sido seqüestrada por estar próxima a uma família de muito poder, certamente se negou a dar qualquer informação aos bandidos, sempre foi muito fiel.
A historia vazou e chegou a um programa de televisão. Enquanto a câmera passeava pelo quarto de Joana, um contraste de luz com o fundo mais escuro da parede, via-se o rosto bonachão da mãe de santo.
Uma equipe de estudiosos da Universidade de harward nos Estados Unidos veio através de uma rede de televisão tentar desvendar a aparição do espírito de Joana. Parapsicólogos e médiuns confrontavam opiniões. Nas esquinas todos não tinham duvida, aquele era o espírito de Joana. A pergunta que estava no ar, era o que desejava Joana, porque vinha do outro plano, do céu? O que queria dizer?
Entre a família Santos, todos estavam tristes com a morte de Joana.
Nas ultimas duas semanas, o senhor Norberto vira o espírito de Joana duas vezes em seu antigo quarto.
Os médiuns concluíram que por ser sozinha, e viver naquela casa a muitos anos, sua alma não conseguia seguir seu destino, e aquele quarto era o elo que a mantinha ligada a este plano.
Para os parapsicólogos o espectro que assombrava o solar dos Santos era um Plasma Sinistrum/, muito comum nesses casos de muito apego entre o ex-ser vivente e as pessoas que ele ama, ou, coisas que ele ama. No caso de Joana, o quarto e a família Santos. Um aparelho trazido dos Estados Unidos media a quantidade de resíduos plasmáticos por centímetro cúbico, o que ultrapassado o nível mínimo, comprovava a existência naquele ambiente de um espectro.
A discursão sobre o espírito no quarto de Joana tomou proporções nacionais, padres, rabinos, cardecistas, espíritas e pastores formavam mesas redondas em vários canais televisivos para discutir o problema. Entre o povo, não existia qualquer duvida, o fantasma de Joana era a prova, agora registrada, de outro plano alem desse que vivemos. Que deus existe.
O mundo fervilhava, o numero de conversões e igrejas triplicou, a venda de bíblias e livros afins aumentou quarenta e sete por cento em relação ao ano anterior.
Especulava-se em construir uma catedral onde hoje ainda é o solar dos Santos canonizar Joana, que a essa altura, era ex-macumbeira e lhe eram atribuídos três milagres.
Um cego voltou a enxergar. Um mudo voltou a falar. Um paralítico voltou a andar.
Cornélio Baptista, que acabara de chegar de uma viagem de quatro meses aos Estados Unidos, atribuía a gravidez de gêmeos de sua mulher a um milagre de santa Joana, uma vez que ele era estéril.
Apolinário Brasil motorista de taxi, não tinha duvidas de que no acidente de automóvel que sofrera, santa Joana o salvara( apesar do cinto de segurança e do airbag).
Quando caminhava para que Joana viesse a se tornar, Santa Maria Joana do Morumbi, um táxi parou em frente ao solar dos Santos, bem em frente a multidão de repórteres que se aglomeravam na busca de uma imagem.
Eis que surge de dentro do táxi, de sandália baixa, saia rodada branca, blusa de alça bege e o velho turbante na cabeça, Joana, ou o fantasma/ espectro sinistrum/ plasma de Joana, apavorada, sempre detestou televisão, nunca assistia, nem Ana Maria Braga.
Alguns correram, outros foram na sua captura. Sem entender nada, com as malas ainda na mão respondeu.
_Estava de férias em Santantão do Acre Fundo na casa de uma amiga. Na roça.
Mil repórteres.
_Como assim???
_Ué! Eu combinei tudo com o patrão.
Hummmmmm!!!!
As crises de memória do doutor Norberto estão ficando cada vez piores.
O BODE EXPIATÓRIO
Maracanã lotado, com mais de oitenta mil torcedores.
Aquele era o dia que toda a imprensa mundial estava esperando.
Durante a semana, o craque do momento, Dico, jogador do Vasco da Gama, disse que no dia da final, que era aquele domingo, se fizesse um gol, iria dedicar ao seu namorado misterioso.
A peleja começou, a pelota rolou, Dico estava inspiradíssimo, dominou no peito, fez lançamento, meteu entre as pernas do zagueiro, acertou um balaço no ângulo.
- Goooooooolllllll!!!!!!!
As bandeiras estavam desfraldadas, a turba enlouquecida sacudia as estruturas do “maraca”.
Dico correu até a lateral do campo, bateu no peito( no lado do coração), fez um coração no ar com os dois dedos indicadores e apontou pra galera.
Tiburcio pulava mais que pipoca, era só felicidade, ainda mais quando viu Dico apontando na sua direção, olhou pra trás e viu um rapaz loiro de olhos azuis retribuindo o aceno, imediatamente ele fez a mesma coisa.
Essa parte ninguém viu. O mundo de repórteres que perseguiam Dico, todos sem exceção, focalizaram Tibúrcio.
Tibúrcio é um negro de um metro e noventa e dois, trabalha como soldador num estaleiro no Rio de Janeiro, casado com Vanderleia e tem um bebezino de quatro meses chamado Tibúrcio Junior.
Tiburcio sorriu, fez um sinal com o polegar afirmativamente, e voltou a pular como pipoca.
Antes do final do primeiro tempo, um batalhão de repórteres cercava Tiburcio na geral do “Maracá”. O cara não entendia nada.
-Como é seu nome?
- Vocês se conhecem a muito tempo?
- Vocês pretendem morar juntos?
- Quantas vezes vocês fazem sexo por semana?
Em meio a uma multidão de repórteres, Tibúrcio tentava entender o que estava acontecendo.
- Espera aí! O que esta acontecendo?
Tentando afastar os microfones.
A cara de Tibúrcio estava em rede nacional.
Tibúrcio levantou naquela segunda-feira mais feliz que pinto no lixo, os olhos cheios de remela. Limpou com a ponta dos dedos, parou em frente ao espelho do banheiro, conferiu o sorriso, fez bico, espichou um olhar de “gatinho”, se achou o cara mais lindo do mundo, peidou e foi pra sala. Ligou a televisão e foi para a cozinha pegar um café enquanto escutava as noticias do esporte, afinal, o Vascão fora campeão na noite anterior.
A TV noticiava.
- “...e o craque do Vasco da Gama, o jogador Dico, cumpriu o que havia prometido e anunciou o seu romance com um rapaz que estava no estádio do Maracanã ontem durante a vitória do seu time. Dico fez três e levou ao delírio os torcedores, alguns setores da imprensa parece que já sabem quem é o rapaz, chama-se Tibúrcio e parecia estar muito feliz com a exibição do seu parceiro...”
Tibúrcio que havia acabado de entrar na sala, deixou o copo cair no chão, xingou um PQ PARIU gigante e com os olhos esbugalhados, via a sua cara preta bem grande na televisão fazendo papo firme para Dico.
Na sala feito um animal na jaula Tibúrcio andava de um lado para o outro.
- Desgraçado, craque viado, bicha dos infernos...VANDERLÉIAAAAAAAAAA!!!
Vanderléia entrou na sala esbaforida sem entender o que estava acontecendo.
- O que houve gatinho?
Tibúrcio andava de um lado para o outro feito um leão furioso na jaula.
- Ai meu Deus! Ai meu Deus!
- O que houve gatinho?
- Ai meu Deus! To fudido! To fudido!
- O que aconteceu homem de Deus?
- ... ontem... no “maraca”... tão achando que eu sou namorado do tal do Dico.
Vanderléia não entendeu
- Como assim?
- Ele estava falando com um cara atrás de mim, eu achei que era comigo e respondi.
- Pera aí, me explica direito, não entendi.
- O cara falou que ia mostrar o namorado dele no jogo de ontem, agora todo mundo ta achando que sou eu...
- Minha Nossa Senhora!!!
- To fudido Vanderléia!
Vanderléia deu duas voltas no sofá antigo, que tinha um buraco na lateral feito por Dinamite, o cachorro da família, coçou o queixo e indagou.
- Tibúrcio... mas você não tem nada com esse tal de Dico não né?
Enfurecido Tibúrcio espatifou a mesa de centro com um soco.
- Calma amor, só perguntei.
Porta adentro, entra dona Ermenegilda, mãe de Vanderléia, sogra de Tibúrcio. Ele não tinha com ela o que pode se chamar de um bom relacionamento.
Dona Ermenegilda tinha um sério defeito, falava pelos cotovelos. Era gorda ( como toda sogra), vestia um vestido que só lhe deixava enxergar a cabeça e os pés, e ainda era missionária da Igreja Evangélica Assembleia de Deus do Ventre Materno da Mãe de Jesus Nos Últimos Dias.
Vanderléia questiona a mãe.
- O que a senhora esta fazendo aqui tão cedo?
- Eu vejo televisão minha filha, achei que você podia estar precisando de ajuda.
-( Tibúrcio) Ai meu Deus! Ai meu Deus!
- Eu te avisei..., eu sempre achei esse teu marido muito esquisito...
- Mãe!!!
- ...( Para Tibúrcio) Deus castiga esse tipo de coisa viu,( para a filha) você nunca desconfiou minha filha?
Tibúrcio não conseguia se concentrar na conversa. Só conseguia pensar em como iria explicar no estaleiro aquela situação para a “piãozada”. A essa altura todos já deviam estar rindo dele, achando que ele realmente era gay.
Enquanto isso, a sogra buzinava.
- ... lá na minha igreja as irmãs já estão comentando. O genro da Ermenegilda, aquele negão, sabia? Tem um caso com um jogador de futebol.
- Quer dizer que ele da ré no quibe...
- Para com isso mãe...
- É o que eu escuto minha filha.Eu sempre te avisei. Lembra do Carlos? Aquele que foi seu noivo... hoje é engenheiro... e homem.
- Mãe, o Tibúrcio é homem.
- Só se for “homemsexual”.
Tibúrcio desolado, esta sentado no sofá com os cotovelos apoiados nas pernas e o rosto mergulhado entre as mãos, não ouve nada.
Entra porta adentro o cunhado Eraldinho, vagabundo de natureza, malandro de profissão e faz um bico como apontador do jogo de bicho quando sobra um tempo.
-( Eraldinho) Caraca cunhado! Se “deu” bem hein! Com o perdão do trocadilho.
Tibúrcio levantou e já ia partindo pra cima do cunhado mas Vanderléia o segura.
- Calma Docinho, calma Docinho.
O cunhado insiste.
- Olha Tibúrcio, sempre te achei uma pessoa ilibada, de uma “simplorioricidade” enorme, de caráter agudo e exacerbado, que transcende as estirpes do coração, e de alma angelical... um daqueles anjos que acompanham São Benedito ta ligado?
-( Tibúrcio) Ninguém merece!
- Cunhado você agora é o cara, ta na crista da onda, nas capas de revistas, em todos os jornais, televisão.
-( D. Ermenegilda) Safadeza!
- Pode deixar tudo comigo cunhado, eu serei seu acessor de imprensa. Ninguém chega a você sem falar comigo. Vou te colocar como capa nas melhores revistas, G magazine, Noivas, filmes pornô e é claro na Playboy.
Tibúrcio ficou louco de raiva e partiu pra cima do cunhado.
-( Vanderléia) Calma Docinho. Calma Docinho.
- Eu só preciso saber dos detalhes. Você é passivo ou ativo?
Tibúrcio segurou no pescoço do cunhado com as duas mãos, deu três sacudidas que só deu para o coitado balbuciar...
- Calma Docinho. Calma Docinho.
Vanderléia intercedeu e salvou o irmão de ser trucidado por Tibúricio.
D. Ermenegilda argumentou.
- Ainda é violento. Ah! Eu te avisei tanto minha filha.
Vanderléia com muito custo conseguiu colocar a mãe e o irmão para fora de casa.
- E agora amor? To ferrado!
Vanderléia fica pensativa por alguns segundos e dispara.
- Docinho, escuta bem o que eu vou te dizer. Mas escuta primeiro, não fica zangado não. Assume o caso com esse cara.
Tibúrcio da um salto da poltrona.
- Ta maluca mulher?!
- Docinho, já pensou? Essa pode ser a nossa chance.
- Que chance?
Olhando pela janela, Tibúrcio percebe que há uma multidão de jornalistas no portão de sua casa.
- Podemos arrumar algum dinheiro com essa história. Você diz que tem um caso com ele, depois nos entendemos com o cara.
- Você esta louca.
- É um sacrifício pela sua família.
- Daqui a pouco você vai querer que eu deite com esse...esse..
- Craque cheio do dinheiro.
- Vai querer que eu beije ele também?
- Claro.
Tibúrcio parece um leão na jaula.
- Qual é mulher? Sou macho, sou espada, jogo de zagueiro no meu time. Como é que eu vou explicar isso para os meus amigos?
- Deixa de ser bobo, eu estou com você. E depois, quando você estiver com um carro do ano, isso explicara tudo para os seus amigos.
Tibúrcio põe as mãos nos ouvidos, anda de um lado para o outro gritando que não.
- A partir de hoje eu sou Flamengo. E como é que você me pede uma coisa dessas, eu vou estar te traindo, logo você que sempre foi tão ciumenta.
Sem graça Vanderléia retruca.
- É...vai ser difícil, mas eu vou me controlar. E depois , eu também tenho que dar a minha parcela de sacrifício para o sucesso da nossa família.
- Você dar... nessa maluquice quem vai ter que dar alguma sou eu. E eu já te falei, eu sou macho. M A XÔ XÔ. Macho.
- Eu sei meu Docinho...
- Eu sei é o cacete, não vou, não vou e não vou. Quem manda nessa merda sou eu e ponto final.
Após um tempo, Tibúrcio abre a porta da casa com cara de poucos amigos. Atravessa o quintal e abre o portão. Todos os repórteres correm em sua direção, fotos, flashs, câmeras e microfones posicionados. Ele usava uma camiseta amarela que expunha todos os seus músculos.
Silêncio total. Tibúrcio libera um sorriso da cor de sua camisa e diz.
- Eu gostaria de dizer para vocês, que eu e o Dico somos namorados e...
ENCONTRO COM A MORTE
Naquele dia, a noite caíra mais cedo e surpreendeu Pedrinho e Juca.
Chovia uma garoa fina e o frio arrepiava-lhes os póros.
Ninguém na rua. Teriam que atravessar todo o costado do cemitério sem comapanhia. Era o caminho para chegar em casa no Caju.
Quando já estavam na metade do caminho, na parte mais escura, um vulto que não conseguiam identificar surgiu-lhes à frente.
Pedrinho tentou gritar mas a voz não saiu.
Juca tentou correr mas as pernas não obedeciam.
Em meio ao pânico instalado, Juca percebeu suas calças se umidecerem. Envergonhou-se, mas ao olhar para Pedrinho, viu que a seus pés já havia uma grande poça amarela.
Pedrinho com um único olho aberto tentou encontrar a cabeça do ser tenebroso, mas nada viu.
Juca percebeu que em lugar dos dedos, haviam apenas ossos. Concluiu então que aquilo só poderia ser a morte.
Apavorado Pedrinho perguntou.
_ QQQQQue vvvoccce quequer????
O ser com uma voz fúnebre que petrificou-lhes os joelhos respondeu.
_ Quanto é três elevado a terceira potência?
/ Juca tentou falar.
_ Poposso pepensar?
O ser macabro soltou uma gargalhada que os meninos perceberam que os fundos de suas calças ficaram mais pesados, úmidos e quente.
Pedrinho percebendo a morte, com lágrimas nos olhos perguntou.
_ Sese aaa gegente nanão aadidivinhar você vavai nonos matar?
O ser peçonhento gargalhou novamente e com uma voz macabra respondeu.
_ Há! Há! Há! Há! Há! Pior!
Juca já soluçava e seus joelhos tilintavam.
_ Pepergunta ououtra, popor favor.
O ser num movimento fantasmagórico, abriu o manto negro que o cobria e revelou um corpo metade osso, metade carne em decomposição.
Levitou por uns segundos e perguntou.
_ O que é um adjetivo?
Os meninos se olharam em pânico e pensaram, vamos morrer.
Pedrinho se encheu de coragem e perguntou.
_ Sese aa gegente... não “saber”...
O monstro interrompeu-o com um urro satânico.
_ SOUBER!!!
_ Vovoce vavai mamatar aa gegente?
_ PIOR!!!
Os meninos se abraçaram e começaram a gritar e chorar ao mesmo tempo.
O ser sinistro com uma voz de rasgar de medo lança uma sentença fatal.
_ Vocês serão reprovados.